"Foi o tempo que dedicaste a tua rosa que a fez tão importante"
(Antoine de Saint-Exupéry)

quinta-feira, 17 de março de 2011

Lembranças de Dias que não Voltam Mais

"Se tens um coração de ferro, bom proveito. 
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo dia."
Na próxima semana já vai completar 6 anos, mas a data de hoje marcou minha vida, nesse dia o brilho do meu olhar ficou prá trás, vidrou, embaçou por muito tempo. Minha visão ficou perturbada, não conseguia ouvir, não falava...meu  coração e mente eram só tristeza, desde o exato momento em que ele se sentiu mal eu sabia que era o começo do fim...todos os sinais haviam me avisado..o sonho, a certeza, por breves horas ou longos segundos, me perdi de mim.
Uma tempestade se anunciou num lindo dia de sol, o vento, os trovões seguidos da chuva forte, mas o maior dos estragos era interno, daqueles que dilaceram a alma, que destroem. Tentei fugir, me esconder, me refugiar de mim mesma. Não consegui. Caí. Fiquei no chão. Sentia os pingos de chuva caindo como se pedras fossem naquele final do dia.
Sentia os abraços, mas parecia que eu não estava ali...
A ausência de cor contrastava com  todo o resto, como se formasse um ponto de fuga. Mas eu não queria fugir por essa porta. Via carros, pessoas, a vida pulsando em cada esquina. Mas como assim? Por que só para os outros? Por que eu não poderia somente continuar vivendo sem essa dor, sem essa perda? Era só nisso que eu conseguia pensar...que minha vida tinha parado. Não conseguia reparar detalhes, cores, cheiros,  não me atinha mais a pontos ou vírgulas, não me reconhecia no meu próprio reflexo, eu era só interrogação.
Aos poucos tudo é reconstruído, como num tsunami, nessa tragédia coletiva que aconteceu no Japão...quantas pessoas estão com esse sentimento, com esse vazio...meu tsunami foi particular...levou embora o que eu mais amava na vida, e eu não sentiria mais o abraço dele, o olhar dele. Só o que ficaria dali para a frente seriam as lembranças, essas permanecem intocáveis, insubstituíveis, e depois da dor lancinante do começo são elas que nos ajudam a levantar, a recompor os pedaços.
Em meio a minha tempestade particular, com o tempo, descobri aos poucos raios de sol, pequenos pedaços de céu azul, camuflados por pessoas, gestos, carinho, amor.
Tive muitos caminhos, direções e a opção da escolha sempre. Optei por voltar a viver, a chuva parou e o sol voltou a brilhar, mas no meu peito sempre continuou tímido, mergulhado no cinza, nunca mais voltei a ser a mesma pessoa, talvez por isso que acho os dias de chuva injustiçados e gosto deles, por que eles parecem fazer parte de mim, da minha história, e me sinto viva com eles.
Cada grande alegria ou grande tristeza que hoje sinto, o pensamente chega nele, serei um dia completamente feliz? As cores voltaram mas nunca mais nada foi igual.
Então em cada final de tarde de sol quando rapidamente tudo se transforma em cinza e tempestade me sinto perto. Dele. Daquele dia. Saudade que aperta o peito.
Até que numa tarde especial tudo mudou...Sol, calor...depois: Nuvens e Vento, Chuva forte, Raios e Trovões...
A sensação arrebatadora de exatamente numa tarde assim trazer ao mundo uma linda criança, dar a Luz, dar a Vida...sentimentos desencontrados, pensamentos de Paz e Felicidade. Sentimento de culpa por ter esperado demais...Eu mesma me sentia sublime, acima de qualquer dor, física ou não....me sentia completa de novo...
Hoje meus olhos ainda brilham ao devanear por minhas mais ternas e eternas lembranças, mas hoje sou muito mais feliz do que triste...
E eu achava que quem gerava uma vida era eu...
Mas quem me trouxe a vida de volta foi Ela....

"Se  nos  encontrarmos outra  vez no crepúsculo  da
memória,  conversaremos de  novo e cantareis  para
mim uma canção mais profunda.
E se nossas mãos  se  encontrarem  noutro  sonho, construiremos mais  uma torre  no  céu."
                                           (Khalil  Gibran)


6 comentários:

  1. E Ela sabe de toda essa alegria e despertar porque é parte de você, é um pedaço do seu coraçao. E nele está toda sua história. Com certeza eles se encontraram, com certeza ele as protege e abraça com o mesmo amor incondicional que agora você ensina para a nossa Borboleta. Lindo.
    Love you

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  2. Emocionante. E sim, lembro do meu avô/pai da mesma maneira. Te amo minha amiga querida. Beijos!

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  3. Muito lindo!!! impossível não se emocionar...
    ainda mais para quem o conheceu.
    muitas saudades!!
    Beijos

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  4. Amada Lucinéia.

    Lembro-me de um telefonema onde conversávamos sobre esses sentimentos, sobre essas percas irreparáveis e muitas vezes parecer insuportável.
    Lembro-me de uma frase tua “O bom é ter a certeza que vivemos tudo, sei que fiz o que pude, não há dívida só saudade” ao desligar aquela ligação, pequei meu caderno de anotações e escrevi as tuas palavras.
    Chorei, fui ao céu e voltei para terra, sei o quanto é difícil não poder sentir a mão no rosto, no meu caso, a delicadeza de meu pai, o colo forte de minha mãe. No entanto, essa saudade que ficou, que em muitas tardes volta, ou em algumas madrugadas, ela existe porque tanto os meus amores que já não estão aqui, como o seu pai, valeram cada minuto das nossas vidas, as arrumaram, as coloriram como Ipês na primavera, sorriram em tardes cinzas e nos transformaram entre o inverno e verão.
    Você hoje tem uma linda menina, mais uma vida, mais uma parte dele florindo para o mundo. È ávida seguindo novas estações, tomando novas formas, em busca de novos sorrisos, é você nascendo de novo todos os dias.
    Quando a li me emocionei, sou uma boba, choro com a lua na madrugada.... Não escrevi, precisei reler, hoje, talvez para poder me encontrar, entre tardes, um pouco de chuva, um raio de sol, um abraço....
    Meu pai estar em outro prisma desde 31 de março de 2005, e hoje 20 de março seria aniversário de Mamãe, e para mim continua sendo, como se a vida dela e dele se perpetuasse em mim. Coincidentemente, essas do acaso, vem o seu texto, ao reler pensei: As tuas palavras me fortalecem, como se o acaso tivesse almejado colocar flores no meu jardim quando ele tivesse árido.

    Obrigada Lucinéia.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. Néia querida...
    me emocionei com teu texto... tuas palavras cabem completamente pra mim... num ensolarado dia de inverno meu pai se foi, sem aviso... já faz 8 anos e parece que foi ontem...
    Ainda bem que as "Anas" chegaram nas nossas vidas para nos trazer de volta o sentido de sorrir não é mesmo?!
    Mil beijos pra vocês, fique em paz!!

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